quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Nasce a mãe

Na verdade eu tenho uma certa dívida com meus dois filhos mais velhos. É que eu só fui aprender a ser mãe, de verdade, depois do João. Com ele eu comecei a descobrir sobre o amor doação, amor sem explicação, sobre decidir amar, sobre o sofrimento que está incutido no amor.

Algumas mulheres já nascem sendo mãe. A vida lhes ensina a amar antes mesmo de parir. Será culpa do tal instinto materno? Se bem que para mim, o amor verdadeiro, está mais para transcendência do que para as regras naturais de proteger a cria e perpetuar a espécie.

Só sei que eu precisei ter vários filhos pra entender de ser mãe.
É isso que vou responder quando me perguntarem porque temos 'tantos' filhos. Vou dizer:
- é que eu estou aprendendo a ser mãe!

terça-feira, 3 de junho de 2014

Por que, se são inocentes???

A pergunta é repetida muitas vezes diante de uma criança portadora de alguma síndrome: por que sofre este inocente? A pergunta é repetida muitas vezes direcionada àqueles que acreditam em Deus: se é assim, onde está sua bondade....

Sim, algumas vezes já fui interrogada a respeito disso. Porque meu filho sofreu? Porque eu sofri assim, se acredito e professo a minha fé? Por isso, ao ler o texto de Filipe Aquino, que se encontra no link:

http://blog.cancaonova.com/felipeaquino/2014/06/03/por-que-as-criancas-inocentes-sofrem/

quis postá-lo aqui. compartilhar com vocês o que a minha fé diz a respeito do sofrimento, o que a teologia diz a respeito. É onde eu também encontro as explicações para o sofrimento do João, de alguma forma.

Além do texto deste blog, indico também a leitura o documento "Salvifici Doloris", que se trata de uma carta apostólica do, então Papa João Paulo II (hoje santo!), sobre o sentido cristão do sofrimento. Num texto simples, de fácil acesso mas de grande profundidade e mística. Este documento da Igreja Católica esta disponível, em pdf, no link:  http://www.paroquiasantoantoniopatos.com.br/admin/documentos/Carta-Apostolica-SALVIFICI-DOLORIS--sobre-o-sentido-cristao-do-sofrimento-humano-%E2%80%93-Joao-Paulo-II.pdf


quinta-feira, 15 de maio de 2014

CONTANDO

Esses dias minha irmã me perguntou "como vocês vão contar sobre o João, ao Caio e ao Filipe?".... (Caio e Filipe são os irmãos nascidos depois do João na família!). Eu, sem pensar muito respondi "ué, contando".
Mas essa pergunta ficou ressoando até virar inspiração para o post.

Contar uma história é reavivá-la. Contar a história de alguém é fazê-lo presente de novo.

Dias depois, Caio - que ainda não fala - do meu colo aponta seu dedinho gordinho para a foto do mano João no porta-retratos. No seu 'bebenês' balbucia alguma coisa intraduzível. Eu respondi ao seu apelo dizendo: Este é teu irmão, o João. E esta foi a primeira vez que falei de Joãozinho pro Caio.

E é assim que vai acontecer. Contaremos a história do mano que já foi morar com Jesus porque era muito especial, quantas vezes a oportunidade aparecer. Manteremos vivas as memórias. Ensinaremos a eles o que aprendemos com João.

Contaremos a história com pinceladas de fantasia infantil, como são os livros infantis. Contaremos a verdade, cheia da magia da infância. Não vamos esperar o momento certo, na vida deles, para contar uma dramática história de nossa família, não vou esperara que estejam 'prontos para entender'.. Vamos contando com a vida. Do mesmo modo como se contam as histórias sobre o dia do nascimento, a escolha do nome e as estripulias dos pequenos. Mostraremos as fotos e as recordações guardadas. Os levaremos ao túmulo, rezaremos juntos. Lembraremos o dia de seu nascimento e de sua partida juntos como família. Pediremos ajuda aos manos mais velhos Pedro e Ana Luíza, que frequentemente falam no Joãozinho...


Desenho do Pedro na semana em que trabalhavam o 'Dia das Mães'. A orientação era para desenhar ele com a mamãe, mas acabou desenhando todo mundo... Caio está engatinhando no desenho, Filipe na barriga da mamãe e João é uma estrela no céu... O coração azul no meio não é um rabisco é a manifestação de aprovação da professora!

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Por que Zion nasceu?

Muitos questionam quais as razões de seguir em frente com uma gestação que, aparentemente e segundo os critérios científicos, não apresenta um futuro. Ou qual o sentido de continuar a gestar uma vida que extra-útero não será viável, não se manterá autonomamente. Ou ainda, quais razões apoiam a decisão de investir em um ser que não terá 'vida de relação', isto é terá um vida muito restrita.

Eu encontrei as minhas razões, sentidos e porquês. Tomei a decisão de ir com a gestação, cuidar daquela vida o máximo possível... Decidimos (eu e Fabiano) que aquela vida seria nosso filho, ganharia nome, batizado, roupas, amigos, chá de fralda. Decidimos dar sentido aquela vida que chegava, dar sentidos para além dos biológicos.

Se você é um destes que se interroga sobre tais razões, não deixe de assistir o vídeo do link (mesmo que você não entenda inglês ou não leia em espanhol, as imagens falam por si):



Você viu o rosto destas pessoas? Enxergou o brilho de seus olhos?
É pelo que se esconde nestes olhares e rostos que se toma uma decisão destas.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Armadilha da saudade

Não caia na armadilha de se sentir culpada por não estar sofrendo o suficiente!

Depois de algum tempo, a dor se atenua, a vida segue.. é claro que há sempre uma saudade no horizonte, um apertinho no peito.. é claro que há dias em que a saudade bate mais forte. Mas a vida nos exige viver.

Eu não me culpo por que consigo sorrir, gargalhar. Por ficar feliz no natal. Por dançar. Por abraçar meus filhos. Por estar grávida de novo. Não me culpo por ser feliz, mesmo sem ter o João aqui comigo. A verdade é que ele faz parte desta felicidade.

Eu não me culpo por que não uso antidepressivo, não choro todo dia, não vou a seu túmulo toda semana. Sofri tudo que havia para sofrer junto dele, agora sofro só a saudade. Mas esta não me mata não. A saudade é até força para viver melhor o próximo dia, de aproveitar mais o que a vida tem para mim.


Só de uma coisa me sinto um pouco ‘culpada’, por não escrever mais vezes aqui no blog.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

18´s

Num 18 de novembro, nascia João da Silva Teixeira. Aquele que, segundo a medicina, não sairia do ventre ganhou nome, foi batizado, veio para casa, conheceu sua família, ganhou presentes, abraços e sorrisos. Ainda hoje ele ganha homenagens, a que segue é da tia Jú  (que também faz aniversário em 18 de novembro), ela postou este lindo texto nas redes sociais. Eu quis registrar aqui também.



Dia 18 de novembro não me pertence mais.
ou talvez nunca tenha pertencido.
E talvez nunca tenha entendido.

Deus me emprestou esta data durante 25 anos,
e no dia 18 de novembro de 2010 o anjo chegou.
chegou transformando.
transformando vidas, a ciência... sentimentos.

como humana, egoísta... lamento por não viver como João o que
vivo com O Pedro, a Ana e o Caio.. e que vou viver com o "nene"
mas acredito EM e agradeço A Deus pelo milagre da vida.
por ter olhado, tocado, cheirado, AMADO um anjo.
REALIDADE

O meu anjo tem asas "invisíveis"
não sei a cor dos seus olhos.
sei que sua pele é suave, e seus cabelos cor de fogo.
isso basta.
ao certo não existe explicação,
nem sentindo.

e com meu caminho iluminado por ti, João.
eu completo mais um ano de vida.
Parabéns para nós, cuida de mim.


(Juliana Devit, 18 de novembro de 2013)

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Último dia

Naquela semana havia notado que João andava mais quieto, mais 'apagado' como costumávamos dizer (quando dormia muito, não apresentava muitas reações aos estímulos...). Meu coração de mãe andava inquieto sem saber porque. João vinha de meses estáveis desde o inverno, mas estava apresentando uma hepatite farmacológica (causada pelo uso de medicações). Então na quarta ou quinta-feira (não lembro bem), durante os preparativos para o seu banho, na troca das fraldas a técnica de enfermagem percebeu sangue vivo nas fezes. Foi só ela continuar a limpeza e mexer um pouquinho mais nele que a hemorragia se apresentou. Perdeu muito sangue, ficou pálido. No dia seguinte pela manhã uma séria conversa com a médica que cuidava do João e eu entendi / compreendi que o fim estava começando.

O final de semana se arrastou. João recebeu um acesso central para receber medicações e soro sem importuná-lo e causar mais dor ainda. Aumentaram os sedativos para conforto. Não sei quantas horas passei lá naqueles dias, mas a minha impressão é de que o tempo havia parado. Eu e Fabiano rezamos bastante e estávamos com o coração ao mesmo tempo angustiado e tranquilo. João visivelmente estava cansado de sua luta. A saturação começou lentamente a diminuir, acompanhada dos batimentos cardíacos, precisou de mais ajuda do respirador.

Já entendiamos e aceitamos que haveria um limite desta intervenção de manutenção da vida do João. O respirador não passaria deste limite pois dali em diante causaria mais dor e dano. Este limite foi alcançado na segunda-feira pela manhã. Em alguns momentos eu rezava pedindo uma reação do João, em outros pedia que se terminasse seu sofrer.. por fim, pedia que a vontade de Deus se realizasse. Os alarmes e bib's foram desligados, os aparelhos funcionavam silenciosamente, para não trazer mais ansiedade àquele dia, por certo apitariam sem parar já que os níveis do Joãozinho já andavam bem abaixo dos parâmetros. O dia se arrastou.

A tarde liguei para o Fabiano e pedi que viesse direto do trabalho para o hospital. Eu o esperaria lá para conversarmos. Eu estava convicta a não mais deixar o João sozinho. Fabiano chegou ao hospital as seis e meia da tarde. A impressão que temos é que João o estava esperando. Ele entrou na UTI, conversamos, fez um carinho no João e saiu para falar ao celular (justamente sobre o Joãozinho). Eu estava com João, ao lado de seu leito. Percebi que a contagem dos batimentos estava muito baixa e a respiração muito fraca. Fiquei fazendo um carinho nos ruivos cabelos. A técnica de enfermagem se aproximou e eu apontei para o monitor e perguntei com alguma esperança 'será que tá funcionando?'. Ela olhou e saiu da sala para chamar o médico. Quando ele entrou, uma questão de segundos depois, já me encontrou cheia de lágrimas. Eu sabia que ele já tinha partido. Fabiano retornou chamado pela enfermeira, entra na sala enquanto o médico faz o exame, olhando para ele balanço a cabeça. Dr. Luciano, põe cuidadosamente o estetoscópio no pescoço como a ganhar um tempo de respiração. Seu olhar declara a morte de nosso Joãozinho. Ele não diz nada, estende sua mão e aperta a minha.

Só tinha mais um pedido a fazer: desejava abraçar meu filho nos braços sem nenhum fio ligado, sem aparelho algum, só nós, como nunca pude antes pegá-lo.

Não sei ao certo porque desejei contar isso aqui. As vezes tenho medo de esquecer.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

UM DIAgnóstico

Durante minha formação na faculdade de psicologia, muito discutíamos a respeito do impacto dos diagnósticos na vida das pessoas. O quanto, muitas vezes, um diagnóstico se transformava num rótulo (bem pesado, por sinal) a ser vestido pelo paciente. O quanto as pessoas em sofrimento se agarravam a um rótulo como a uma tábua de salvação. Principalmente discutíamos os psicodiagnósticos: de que serve dar um nome a algo que se passa com o outro?


Com a experiência junto do João pude ver um lado mais interessante e positivo dos diagnósticos. Porque pude ver o sofrimento causado pela falta de um diagnóstico preciso, um tratamento adequado ou um prognóstico esperado. No hospital, vi pais extremamente angustiados, sem saber exatamente o que seus filhos 'tinham', pelo que passavam ou o que lhes causava sofrimento e dor. Do João tivemos o diagnóstico logo no início da gestação, a partir da contagem cromossômica. Foi bom ter conhecido tal diagnóstico antes do João nascer. Embora, a simples pronuncia dele [ -Por que veio fazer este exame? - Ele tem trissomia do cromossomo 13. - ham. .... silêncio] por vezes causava mal-estar. Acho que é porque não poderia haver nada mais grave que a trissomia do 13... A minha gineco só o pronunciou uma vez, e foi quando deu-me a notícia, em outras ocasiões apenas dizia 'no caso dele..'. Ela parecia querer me poupar de ouvi-lo mais uma vez. De todo modo para nós dois -eu e Fabiano - foi bom conhecer o diagnóstico. Andamos então sempre com os pés no chão.


Penso que foi bom ter o diagnóstico porque soubemos fazer um bom uso dele. Sendo um diagnóstico médico (e científico, portanto) foi assim que o tratamos. Usamos o diagnóstico para pensar junto com os médicos, para entender a biologia do João, para saber o que as probabilidades diziam, para pensar as terapêuticas médico-científicas a serem usadas. Mas trissomia do cromossomo 13 ou síndrome de patau não foi o nome de meu filho. Não, ele se chamava João. Não me relacionei com ele a partir da síndrome ou do que este diagnóstico dizia. O diagnóstico não mudou nossa esperança e fé no milagre, pois não sendo científico isso era cá em outro departamento.

Para se fazer um bom uso de um diagnóstico é preciso um paradoxo: você precisa aceitá-lo, mas nunca se render a ele. Precisamos aceitar com a razão, mas nunca deixar o coração se convencer por completo.

A gente foi se acostumando com o tal diagnóstico para depois poder aos poucos ir falando dele com outras pessoas. Durante a gravidez não o declaramos para a família, fomos aos poucos falando dos problemas que o João tinha. Queríamos poupá-los do peso de um diagnóstico tão duro. Eu demorei mais para procurar informações para além daquelas que os nossos médicos nos davam. Fabiano já logo foi para a internet, o que parece não teve muito proveito, viu muitas coisas horríveis e fotos que nada tinham a ver com nosso João.


Em alguma medida era interessante declarar àqueles que iam cuidar do João seu diagnóstico. Pois em se tratando de algo tão sério era preciso que os profissionais estivessem ' a par' e até mesmo preparados (mais do que tecnicamente, talvez subjetivamente) para nos acompanhar. Não foi um momento apenas em que fomos testemunha de certo despreparo para lidar com João. Contudo, em outros momentos chegava a me arrepender de esclarecer o diagnóstico; pois depois que o profissional sabia que se tratava de um sindrômico de patau passava a tratá-lo como 'caso encerrado' ou 'sem chance'. Nem todos, é preciso deixar claro e, embora não pronunciassem estas frases suas condutas e fazer técnico nos diziam isso.

Para mim era sempre uma alegria quanto João era tratado por aqueles que o cuidavam como um menino. Sim um menino sindrômico, mas antes da síndrome, um menino. Uma alegria ver as técnicas conversando e falando com ele, mesmo se o seu prognóstico dizia que provavelmente não escutasse bem. Uma alegria ver as fisioterapeutas rindo das carinhas que ela fazia. Uma alegria ver um médico elogiar seu cabelo vermelho-dourado ou seus casaquinhos de lã.

Fica a dica: use bem seu diagnóstico. E use com moderação. Pois o excesso pode trazer riscos a saúde.
João era um menino que um dia teve um diagnóstico.


sexta-feira, 23 de agosto de 2013

um lugar VIP

Mais uma pequena lutadora no céu.
Deve haver um coro específico, um muito especial, com parque de diversões, bicicletas e bombons... um lugar especial lá no céu onde eles podem usufruir daquilo que aqui foi impossível. Uma área vip, das 'crianças especiais'. Pois à elas foi confiado uma grande missão - mesmo sem falar ou andar, mesmo sem respirar sozinho ou mesmo sem ouvir - de transformarmos (a nós que com elas estivemos) em pessoas melhores.

Rafaela, aproveita o algodão doce e manda, por favor, um abraço pro meu Joãozinho.
 


(status de meu Faceboock hoje às 15h)

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Pro Davi

Toda vez que eu penso que o blog já não 'tem sentido' para continuar a ser alimentado, cada vez que eu penso que não tenho mais o que escrever... acabo recebendo um e-mail ou recado no face de alguém que encontrou o blog de algum jeito, de alguém que está em situação semelhante, de alguém querendo trocar experiência.

Daí, de novo me encho de vontade de escrever e espalhar o blog por aí... Daí lembro do sentido que há em compartilhar do que vivi.

Há tempo mantinha contato com a mãe de Davi. Hoje recebi a notícia de que ele partiu, que foi se encontrar com o João. Apertado o coração se compadece, pois conhece a dor e o alívio, o afeto e as lágrimas dessa hora.

Contente visitei o blog que a mãe tá escrevendo:  http://davigigantepatau.blogspot.com.br/